A poesia que busco...
- Iris Tassinari
- 20 de fev.
- 2 min de leitura
Atualizado: 18 de abr.
Gostaria de ser, ao menos uma vez na vida, o poema. Não o poeta.
Mesmo que fosse breve, um verso, dois. Uma frase solta, quase sem sentido. Sentido que, nem eu mesma possuo. Mas ainda assim, gostaria. Gostaria de ser escrita, não a escritora. Ser a musa, não a serva. A razão, a causa, o motivo, e não o agente. Queria ser, pelo menos uma vez, a pintura, e não o pintor.
Mesmo que fosse rápido, eu queria ser o motivo do punho encostar no papel, da mão segurar a caneta e o estímulo da leitura que arrepia. Queria ser o arrepio. Nada de escrever e me apaixonar. Queria ler o encantamento em mim mesma. Me encontrar em versos que não escrevi, em palavras que não conjurei, em desenhos que não colori.
Mesmo que fosse passageiro, queria ser o motivo para que alguém se sentasse na cadeira e escrevesse, para que se entregasse à minha essência, tanto que as rachaduras do meu coração se fizessem suas, e a dor fosse tanta que precisasse escrever. Que precisasse criar. Que engolisse palavra por palavra, e me fizesse engolir com você. Que cuspisse arte, poesia, no gesto mais primitivo de ser.
Mesmo que fugaz, gostaria de me ver em algo que não produzi.
Não por ego ou vaidade, mas pelo simples desejo de finalmente receber a dedicação que sempre carreguei. Nada além de ver outro soldado empunhando a espada que sempre brandi em nome dos meus amores: a caneta. O papel.
Eu, que sempre lutei com palavras e bravura, gostaria de sair das trincheiras e bradar: “Aqui está!” carregando nos braços seus manuscritos, sem sentido, breves e despedaçados. Aqueles que escreveu sem o menor desejo de que fossem amados. Me orgulharia de seus rabiscos à beira da página, e diria: “Para mim!”, “Essa sou eu!” e mostraria ao mundo. Talvez outro alguém tivesse mais competência em me mostrar eu.
Com timidez, os receberia. Talvez sequer soubesse como reagir. Mas reagiria. Minha carne anseia pelo amor que dou, mas, acima de tudo, minha alma deseja uma alma como a minha...
Medíocre.
Para que me escreva bobagens, para que rime verbo com verbo.
Como eu.
Para chocar qualquer crítico com tamanha ingenuidade.
Para colocar "PATÉTICO" no centro da página.
Para que, no futuro, ao reler, perceba como tudo o que escrevi é, afinal, ridículo.
Mesmo que rápido, eu queria ser o motivo do ridículo. E talvez variar, um pouco, a ridícula que sou.
Guardaria sua tolice com carinho, como um joalheiro que separa sua joia mais rara para o aniversário de sua filha. Guardaria seu amor como guardo meus livros, como guardo o cheiro de meus avós na naftalina daquela camisa de aniversário.
Guardaria, para sempre, seu pedaço de afeto.
Não me importa se escreveu metade de quem sou, ou se errou a essência do meu espírito. Peço tão pouco, percebo agora, que muitas vezes me engano, achando que finalmente estou recebendo.
Sou, no fim, uma romântica. Minha natureza é frágil para o amor.
Amo tanto, com tanta frequência, no papel e na caneta, que gostaria, finalmente, de dar por mim que sou amada.
Iris Valim
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